Internações por doença respiratória no Brasil crescem quase 20% em meio a Covid não diagnosticada

A poucas semanas do inverno em boa parte do Brasil, época de maior disseminação de vírus respiratórios, o país enfrenta uma temporada de casos leves de Covid-19 não diagnosticados, seja por sintomas que passam despercebidos pelos próprios pacientes ou pela falta de testagem nos serviços de saúde. Entretanto, na outra ponta, pessoas mais vulneráveis, mesmo vacinadas, estão sendo mais hospitalizadas com a doença.

 

Dados oficiais mostram uma alta de 73% da média móvel diária de novos casos em 31 de maio (26 mil) na comparação com o início do mês.

 

Ainda assim, o patamar é considerado “irreal” pelo vice-presidente da SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia) e chefe da infectologia da Unesp (Universidade Estadual Paulista) em Botucatu, Alexandre Naime Barbosa.

 

“A gente suspeita que menos de 50% dos casos sintomáticos estejam sendo testados.”

 

O mais recente boletim InfoGripe, da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), divulgado nesta quarta-feira (1º) aponta para uma estimativa de 7.200 internações por Srag (síndrome respiratória aguda grave) em todo o país entre 22 e 28 de maio — eram 6.100 na semana anterior (alta de 18%). Deste total, 59,6% estão associados à Covid-19.

 

Para o coordenador do InfoGripe, o pesquisador Marcelo Gomes, vivemos “um cenário em que corremos um risco muito grande de ter um inverno, de novo, com valores significativos de internações”. O InfoGripe compila dados sobre doenças respiratórias no país.

 

Ele faz uma comparação com o dezembro de 2021 e janeiro deste ano, quando a entrada da variante Ômicron do coronavírus no país, associada a um relaxamento das medidas de proteção, provocou uma elevação do número de novos casos, mas sem reflexo nas internações.

 

“Foi o grande teste de fogo da vacina. Naquele momento, o público de idade mais avançada tinha a dose de reforço em dia. No restante da população, não. Só que para os jovens adultos a segunda dose era relativamente recente. Agora não é. Tirando o grupo dos idosos, a adesão à dose de reforço está muito baixa. Aí é um risco, podemos ter um inverno diferente, a população de modo geral não abraçou a vacinação por diversos motivos”, explica Gomes.

 

Em relação à vacina, também cabe ressaltar que quatro em cada dez brasileiros aptos ainda não tomaram a dose de reforço. Indivíduos com esquema incompleto (com apenas uma ou duas doses) ou não vacinados correm risco de evoluir para quadros graves de Covid-19.

 

Baixa testagem

O vice-presidente da SBI lista três causas envolvendo a testagem no Brasil que se refletem em estatísticas gerais “de baixa qualidade”.

 

• Oferta de testes: por haver uma redução no número de exames, já é possível observar que aumentou a positividade geral, já que os que realizam testes normalmente são pessoas com sintomas e quadros mais característicos de Covid. Indivíduos com uma coriza, por exemplo, podem ser dispensados de serviços médicos sem testagem.

 

• Falha de comunicação: órgãos públicos não incentivam a população a buscar a testagem. Esta, consequentemente, não se isola mesmo com sintomas gripais leves.

 

• Autotestes: os resultados exames feitos em casa não são reportados ao Ministério da Saúde. “O autoteste é um bom exame de triagem. Se ele der positivo, muito possivelmente o indivíduo está com Covid. [Mas] este resultado precisa ser notificado”, acrescenta Alexandre Barbosa, da SBI.

 

Para o médico, o momento de alta de casos e internações exige que as pessoas estejam atentas ao seu estado de saúde.

 

“As pessoas não devem menosprezar qualquer sintoma, devem procurar a testagem porque estamos com um vírus de alta transmissão circulando, que é o Sars-CoV-2, e também tem o influenza. Eu não sei de onde que mudou a conduta que as pessoas estão parando de investigar quadro gripal”, diz.

 

O coordenador do InfoGripe afirma que, com a mudança no comportamento individual e dos serviços de saúde, “o acompanhamento de casos leves associados à Covid fica muito prejudicado”.

 

“É um período típico em que a gente espera estar resfriado por conta do clima. Tem essa questão cultural de que a gente tende a menosprezar mesmo – e é compreensível. Não é uma crítica ao comportamento das pessoas”, adverte.

 

Internações e mortes

 

Pessoas que não fazem teste e continuam circulando com sintomas gripais podem levar a Covid-19 para idosos e imunossuprimidos, que possuem chances de complicações por ter um sistema imunológico que não responde tão bem às vacinas, mesmo com a quarta dose.

 

Na maior cidade do país, São Paulo, o número de internados em UTI com confirmação ou suspeita de Covid-19 mais do que dobrou em duas semanas – de 42, em 16 de maio, para 86 no dia 30.

 

As internações em enfermaria saltaram 185% no mesmo período, segundo dados da Secretaria Municipal de Saúde.

 

Nacionalmente, já é possível observar uma elevação das mortes por Covid-19. Foram registrados na semana passada 863 óbitos e 656 na semana anterior, uma alta de 31,5%.

 

Proteção de vulneráveis

 

O crescimento de casos, internações e óbitos acende um alerta em autoridades sanitárias. Em São Paulo, já se discute a volta do uso de máscaras em ambientes fechados. Ontem, o Comitê Científico do Estado recomendou ao governo do estado a retomada das máscaras em ambientes fechados.

 

Nos grandes hospitais particulares da capital paulista, as internações por Covid-19 mais do que dobraram nos últimos 30 dias.

 

O maior hospital privado de Porto Alegre, o Moinhos de Vento, instalou nesta semana uma tenda para testagem de Covid-19 e influenza no estacionamento, remetendo aos momentos mais críticos da pandemia. A decisão foi tomada diante do aumento do número de pacientes com síndrome gripal.

 

“O maior risco da Covid não diagnosticada é para a coletividade, principalmente para as populações mais vulneráveis, que mesmo completamente vacinadas têm uma chance maior de evolução para Covid grave”, afirma Barbosa.

 

Ele sugere que o Ministério da Saúde avance rapidamente na incorporação ao SUS de medicamentos aprovados pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), que podem ser usados tanto na prevenção como no tratamento de pacientes de alto risco.

 

“Estamos saindo da estaca zero, como em 2020, quando não tinha nada, e agora temos uma linha de cuidados. Não é para todos, mas para pessoas de maior risco, mesmo vacinadas”, adverte.

 

O vice da SBI cita como exemplos os antivirais da Pfizer e da MSD, que podem ser usados nos primeiros dias de sintomas e reduzem significativamente a chance de internação e morte.

 

Também há drogas específicas para uso em hospitais, além de anticorpos monoclonais, como o Evusheld, da AstraZeneca, que é um complemento à vacinação em idosos, transplantados de órgãos sólidos, pacientes em tratamento quimioterápico e pessoas com doenças autoimunes.

 

Inverno de incertezas

 

Este será o primeiro inverno com comportamento social praticamente igual ao do período pré-pandemia. Com as pessoas de volta aos ambientes de trabalho e ensino, quase sempre sem a exigência de máscaras, a tendência é de uma disseminação maior de todos os vírus respiratórios, incluindo o Sars-CoV-2.

 

“Estamos vivendo uma particularidade neste momento, que é o fato de que, nos últimos dois anos da epidemia, no período típico em que o clima favorece o aparecimento de doenças respiratórias, a gente estava com um comportamento muito diferente. Isso tem um papel importante. O nosso comportamento ao longo dessa trajetória acabou sendo muito mais importante para a dinâmica da circulação [do vírus] do que o próprio clima”, destaca Gomes.

 

O boletim InfoGripe mostra uma prevalência de internações por Sars-CoV-2, mas também há um grande número de crianças internadas por infecção pelo vírus sincicial respiratório.

 

A gripe também começa a ganhar espaço também entre os casos que se agravam, em um cenário com menos da metade dos grupos prioritários vacinada até agora.

 

“Qualquer situação de aglomerar pessoas sem ventilação é propícia para transmissão de doenças respiratórias. É por isso que esperamos que haja um aumento, não só de Sars-CoV-2, mas também de outros vírus de transmissão respiratória”, complementa o vice-presidente da SBI.

 

Prever qual será a situação durante os meses de inverno no Brasil é ainda difícil, mas Marcelo Gomes considera que medidas simples, como o uso voluntário de máscaras em locais fechados, contribuem positivamente.

 

“Apostar que vai ser tranquilo, estamos apostando em vidas. É um preço muito alto para fazer essa aposta. É preferível trabalharmos com um cenário de prevenção e precaução a apostar que vai ser tranquilo e correr o risco de ser surpreendido.

 

É um princípio básico de ação em saúde pública, temos que prezar pelo cenário de maior cautela”, encerra.

Fonte: Gazeta Digital